mardi 22 février 2011

1913

Índice


SONHADOR DE SONHOS,
Queres-me vender
Teus dias, risonhos
De tanto esquecer?...

Minh’alma é só mágoa
Por saber que vive...
Passo como a água,
Nunca fui ou estive.


Poente
A hora é de cinza e de fogo.
Eu morro-a dentro de mim.
Deixemos a crença em rogo.
Saibamos sentir-nos Fim.

Não me toques, fales, olhes...
Distrai-te de eu ‘star aqui
Eu quero que tu desfolhes
A minha ideia de ti...

Quero despir-me de ter-te,
Quero morrer-me de amar-te.
Tua presença converte
Meu esquecer-te em odiar-te.

Quero estar só nesta hora...
Sem Tragédia... Frente a frente
Com a minha alma que chora
Sob o céu indiferente,

Basta estar, sem que haja ao lado
Exterior da minha alma
Meu saber-te ali, iriado
De ti, mancha nesta calma

Ânsia de me não possuir,
De me não ter mais que meu,
De me deixar esvair
Pela indiferença do céu.


Hora morta
Lenta e lenta a hora
Por mim dentro soa...
(Alma que se ignora!)
Lenta e lenta e lenta,
Lenta e sonolenta
A hora se escoa...

Tudo tão inútil!
Tão como que doente,
Tão divinamente,
Fútil – ah, tão fútil...
Sonho que se sente
De si-próprio ausente...

Naufrágio no ocaso...
Hora de piedade...
Tudo é névoa e acaso...
Hora oca e perdida,
Cinza de vivida
(Que tarde me invade?)

Porque lento ante ela,
Lenta em seu som,
Que sinto ignorar?
Porque é que me gela
Meu próprio pensar
Em sonhar amar?...


ONDE ESTÃO os momentos que vivi?
Onde estão as ideias que esqueci?
Talvez existam nalgum paraíso
Delicioso de vago e de preciso,
E ali me esperem para me dizer
Que foi melhor que houvesse de as perder,
Porque assim à grandeza de chorá-las
Junto a beleza d’alma de encontrá-las
Já quando do dizê-las a ânsia fútil
As não tornara cada uma inútil...
E esta ideia me faz ser menos triste,
Mas este paraíso acaso existe?


Auréola
Em torno à minha fronte que descora
Que Deus beijou
Num Nunca deste mundo, num outrora
De um outro Tempo, que Deus não criou,

Brilha, vaga aos olhares dos carnais
E dispersa no dia
Uma Auréola de ânsias imortais
Que é a minha Alma divina de agonia.

E eu tão Deus, tão Deus me sinto, tanto,
Que rezo a mim, meu Deus,
E que recebo as gotas do meu pranto
Como incenso elevado a mim, meus céus;

Porque eu sou mais do que conheço e sinto
Contenho um eu-além,
Tenho em mim todo o mundo, e em mim pressinto
Mais cousas e outras do que o mundo tem.

Nos meus olhos cegando para a vida
Passam quases de ver
Uma outra realidade entretecida
Daquilo a que chamamos o não-ser.

Por isso, meu Altar e meu Calvário
E minha Cruz
Eu santifico-me ante mim, lendário
De ter já visto Deus, numa outra Luz,

E assim tão alta sobre no Ideal
A minha inspiração
Que fulge em torno à minha fronte, real,
Uma auréola de amor e redenção.

Redimido da sombra e do Imperfeito
Conquisto o São-Graal,
Porque contenho dentro do meu peito
Um Eu que absolve em Bem meu próprio Mal.

Sombra, atravesso a vida, alheio a ela,
Brilho, estrela, de Além,
Sou tudo e Deus; minha alma é mais que bela,
Pois da minha alma é que a Beleza vem.

Transbordo-me de humano e acedo sóbrio
Para o eu que Deus é.
Sou Deus tendo consciência de si-próprio
Sou eu um Cristo duma outra, a minha, fé.

Deus é tudo; eu sou Deus, portanto e ó alma
Deus, absoluto e Deus
Cujo alto temor desceu a ser minha alma
P’ra que minha alma fosse para Deus.

O meu orgulho humilíssimo, esplendor
De pequenez, fulgindo
Em auréola desce de Outro Amor
Em torno à minha fronte, luz sorrindo...

Ó embriaguez de mim e do Mistério
E da Revelação...
Sinto-me imponderável e áureo e aéreo
E outra-cousa que a minha imperfeição.

Sinto-me já por dentro de ares, mares
Alma da Natureza
Que belo sou quando de sóis e luares!
Quando floresço inteiro na Beleza.

O universo é meu corpo de delírio,
E o que há mais que universo,
A alegria de o ter é o meu martírio,
Por ele fujo, consciente e disperso.

Até que a mim regresso quando embrumo
Meu ser de mim,
Sou outra vez esse ser que é sombra e fumo
Falsa ascensão com falso não-ter-fim...

Eu sou fogo... Isso sei, ainda que o esqueça
Meu quotidiano ser...
A auréola que tenho é a alma acesa
Que é tanta que a não posso em mim reter.

Ascensão! Ascensão! Luz do cimo da alma!
Santificado!


O outro amor
Com que fúria ergo a ideia dos meus braços
Para a ideia de ti! Com que ânsia bebo,
Os olhos pondo em teus sonhados traços,
Todo o fêmea em teu corpo de mancebo!

Teu hálito sonhado até cansaços
Como em meu vívido hálito recebo!
Ó carne que já sonho és tantos laços
Para mim! Deusa-deus; Vênus-Efebo!

Ó dolorosamente só–sonhado!
Soubesse eu o feitio exterior e o jeito
Em gestos e palavras e perfeito
As palavras a dar a este pecado
De só pensar em ti, de ter o peito
Opresso em pensar-te entrelaçado!


Complexidade
São horas, meu amor, de ter tédio de tudo...
A minha sensação desta Hora é um veludo...
Cortemos dele uma capa para o nosso saber
Que não vale a pena viver...
Vai alto, meu amor, o sol de termos tédio
Até ao nojo corporal de o saber tido...
Sei que vivo... Que horror! Tu és um mero remédio
Que tomo para ter vivido...
Que horror seres a mesma sempre, não te esmaga
O saber-te A Igual? És como as outras. Vaga
Dum mar de vagar sempre iguais é esta hora
De ti, ó parco Outrora...
Separemo-nos, mesmo se um de nós da ideia
Do outro, mero eco fique do outro ou reverbero...
Oh como o meu amar-te, ó meu amor, te odeia!
Com que aversão te quero!


EIS-ME EM MIM absorto
Sem o conhecer...
Bóio no mar morto
Do meu próprio ser.

Sinto-me pesar
No meu sentir-me água...
Eis-me a balancear
Minha vida-mágoa...

Barco sem ter velas...
De quilha virada...
O céu com Estrelas
É frio como espada.

E eu sou vento e Céu...
Sou o barco e o mar...
Sei que não sou eu...
Quero-o ignorar...


Hora absurda
O teu silêncio é uma nau com todas as velas pandas...
Brandas, as brisas brincam nas flâmulas, teu sorriso...
E o teu sorriso no teu silêncio é as escadas e as andas
Com que me finjo mais alto e ao pé de qualquer paraíso...

Meu coração é uma ânfora que cai e que se parte...
O teu silêncio recolhe-o e guarda-o, partido, a um canto...
Minha ideia de ti é um cadáver que o mar traz à praia..., e entanto
Tu és a tela irreal em que erro em cor a minha arte...

Abre todas as portas e que o vento varra a ideia
Que temos de que um fumo perfuma de ócio os salões...
Minha alma é uma caverna enchida p’la maré cheia,
E a minha ideia de te sonhar uma caravana de histriões...

Chove ouro baço, mas não no lá-fora... É em mim... Sou a Hora,
E a Hora é de assombros e toda ela escombros dela...
Na minha atenção há uma viúva pobre que nunca chora...
No meu céu interior nunca houve uma única estrela...

Hoje o céu é pesado como a ideia de nunca chegar a um porto...
A chuva miúda é vazia... A Hora sabe a ter sido...
Não haver qualquer cousa como leitos para as naus!... Absorto
Em se alhear de si, teu olhar é uma praga sem sentido...

Todas as minhas horas são feitas de jaspe negro,
Minhas ânsias todas talhadas num mármore que não há,
Não é alegria nem dor esta dor com que me alegro,
E a minha bondade inversa não é boa nem má...

Os feixes dos lictores abriram-se à beira dos caminhos...
Os pendões das vitórias medievais nem chegaram às cruzadas...
Puseram in-fólios úteis entre as pedras das barricadas...
E a erva cresceu nas vias-férreas com viços daninhos...

Ah, como esta hora é velha!... E todas as naus partiram!...
Na praia só um cabo morto e uns restos de vela falam
Do Longe, das horas do Sul, de onde os nossos sonhos tiram
Aquela angústia de sonhar mais que até para si calam...

O palácio está em ruínas... Dói ver no parque o abandono
Da fonte sem repuxo... Ninguém ergue o olhar da estrada
E sente saudades de si ante aquele lugar-outono...
Esta paisagem é um manuscrito com a frase mais bela cortada...

A doida partiu todos os candelabros glabros,
Sujou de humano o lago com cartas rasgadas, muitas...
E a minha alma é aquela luz que não mais haverá nos candelabros...
E que querem ao lado aziago minhas ânsias, brisas fortuitas?...

Por que me aflijo e me enfermo?... Deitam-se nuas ao luar
Todas as ninfas... Veio o sol e já tinham partido...
O teu silêncio que me embala é a ideia de naufragar,
E a ideia de a tua voz soar a lira dum Apolo fingido...

Já não há caudas de pavões todas olhos nos jardins de outrora...
As próprias sombras estão mais tristes... Ainda
Há rastos de vestes de aias (parece) no chão, e ainda chora
Um como que eco de passos pela alameda que eis finda...

Todos os ocasos fundiram-se na minha alma...
As relvas de todos os prados foram frescas sob meus pés frios...
Secou em teu olhar a ideia de te julgares calma,
E eu ver isso em ti é um porto sem navios...

Ergueram-se a um tempo todos os remos... Pelo ouro das searas
Passou uma saudade de não serem o mar... Em frente
Ao meu trono de alheamento há gestos com pedras raras...
Minha alma é uma lâmpada que se apagou e ainda está quente...

Ah, e o teu silêncio é um perfil de píncaro ao sol!
Todas as princesas sentirem o seio oprimido...
Da última janela do castelo só um girassol
Se vê, e o sonhar que há outros põe brumas no nosso sentido...

Sermos, e não sermos mais!... Ó leões nascidos na jaula!...
Repique de sinos para além, no Outro Vale... Perto?...
Arde o colégio e uma criança ficou fechada na aula...
Por que não há-de ser o Norte o Sul?... O que está descoberto?...

E eu deliro... De repente pauso no que penso... Fito-te
E o teu silêncio é uma cegueira minha... Fito-te e sonho...
Há coisas rubras e cobras no modo como medito-te,
E a tua idéia sabe à lembrança de um sabor medonho...

Para que não ter por ti desprezo? Por que não perdê-lo?...
Ah, deixa que eu te ignore... O teu silêncio é um leque –
Um leque fechado, um leque que aberto seria tão belo, tão belo,
Mas mais belo é não o abrir, para que a Hora não peque...

Gelaram todas as mãos cruzadas sobre todos os peitos...
Murcharam mais flroes do que as que havia no jardim...
O meu amar-te é uma catedral de silêncios eleitos,
E os meus sonhos uma escada sem princípio, mas com fim...

Alguém vai entrar pela porta... Sente-se o ar sorrir...
Tecedeiras viúvas gozam as mortalhas de virgens que tecem...
Ah, o teu tédio é uma estátua de uma mulher que há de vir,
O perfume que os crisântemos teriam, se o tivessem...

É preciso destruir o propósito de todas as pontes,
Vestir de alheamento as paisagens de todas as terras,
Endireitar à força a curva dos horizontes,
E gemer por ter de viver, como um ruído brusco de serras...

Há tão pouca gente que ame as paisagens que não existem!...
Saber que continuará a haver o mesmo mundo amanhã – como nos desalegra!...
Que o meu ouvir o teu silêncio não seja nuvens que atristem
O teu sorriso, anjo exilado, e o teu tédio, auréola negra...

Suave, como ter mãe e irmãs, a tarde rica desce...
Não chove já, e o vasto céu é um grande sorriso imperfeito...
A minha consciência de ter consciência de ti é uma prece,
E o meu saber-te a sorrir é uma flor murcha a meu peito...

Ah, se fôssemos duas figuras num longínquo vitral!...
Ah, se fôssemos as duas cores de uma bandeira de glória!...
Estátua acéfala posta a um canto, poeirenta pia batismal,
Pendão de vencidos tendo escrito ao centro esse lema – Vitória!

O que é que me tortura?... Se até a tua face calma
Só me enche de tédios e de ópios de ócios medonhos!...
Não sei... Eu sou um doido que estranha a sua própria alma...
Eu fui amado em efígie num país para além dos sonhos...


QUEM PÔS NA MINHA VOZ, mero som cavo,
O milagre das palavras, sua forma
E o milagre maior do seu sentido?
Minha voz, mero ruído,
Ilumina-se por dentro...


MEUS GESTOS não sou eu,
Como o céu não é nada.
O que em mim não é meu
Não passa pela estrada.

O som do vento dorme
No dia sem razão.
O meu tédio é enorme
Todo eu sou vácuo e vão.

Se ao menos uma vaga
Lembrança me viesse
De melhor céu ou plaga
Que esta vida! Mas esse

Pensamento pensado
Como fim de pensar
Dorme no meu agrado
Como uma alga no mar.

E só no dia estranho
Ao que tenho e que sou,
Passa quanto eu não tenho,
Que está onde não estou.

Não sou eu, não conheço.
Não possuo nem passo.
Minha vida adormeço;
Nem sei em que regaço.


Envoi
Princesa que morreste
No meu castelo antigo,
Tuas mãos – nunca as deste
Ao meu afago amigo...

A orla da tua veste –
Que teve ela comigo?

Expiraste e já eras
Morte e não sei onde...
(Perfume das primaveras
O que o teu seio esconde)
Debruço-me sobre as eras
E chamo... Ninguém responde.

Haverá algum dia
E alguma hora real
Em que a minha mão fria
Encontra a tua afinal
E a minha dor seja alegria
E meu bem o meu mal.

Não sei... E não sabê-lo
Cansa-me de te amar.
A cor do teu cabelo?
Não a posso sonhar.
O teu olhar? É belo...
Mas tu não tens olhar...

Talvez me esperes? Quem sabe.
Tudo morreu em mim...
Na tua ida cabe
O nunca teres fim...
O mundo que desabe
E eu ter-te-ei enfim.


Acontece em Deus
Entre mim e a vida há uma ponte partida
Só os meus sonhos passam por ela...
Às vezes na aragem vêm de outra margem
Aromas a uma realidade bela;

Mas só sonhando atravesso o brando
Rio e me encontro a viver e a crer...
Se olhos bem, vejo – pobre do desejo! –
Partida a ponte para Viver.

E então memoro num suave choro
Uma vida antiga que nunca tive
Em que era inteira a ponte inteira
E eu podia ir para onde se vive

E então me invade uma saudade
Dum misterioso passado meu
Em que houvesse tido um outro sentido
Que me falta p’ra ser, não sei como, eu.


AMEI-TE e por te amar
Só a ti eu não via...
Eras o céu e o mar,
Eras a noite e o dia...
Só quando te perdi
É que eu te conheci...

Quando te tinha diante
Do meu olhar submerso
Não eras minha amante...
Eras o Universo...
Agora que te não tenho,
És só do teu tamanho.

Estavas-me longa na alma,
Por isso eu não te via...
Presença em mim tão calma,
Que eu a não sentia.
Só quando meu ser te perdeu
Vi que não eras eu.

Não sei o que eras. Creio
Que o meu modo de olhar,
Meu sentir meu anseio
Meu jeito de pensar...
Eras minha alma, fora
Do lugar e da Hora...

Hoje eu busco-te e choro
Por te poder achar
Nem sequer te memoro
Como te tive a amar...
Nem foste um sonho meu...
Porque te choro eu?

Não sei... Perdi-te, e és hoje
Real no mundo real...
Como a hora que foge,
Foges e tudo é igual
A si próprio e é tão triste
O que vejo que existe.

Em que espaço fictício,
Em que tempo parado
Foste o cilício
Que quando em fé fechado
Não sentia e hoje sinto
Que acordo e não me minto...

E tuas mãos, contudo,
Sinto nas minhas mãos,
Nosso olhar fixo e mudo
Quantos momentos vãos
P’ra além de nós viveu
Nem nosso, teu ou meu...

Quantas vezes sentimos
Alma nosso contato
Quantas vezes seguimos
Pelo caminho abstrato
Que vai entre alma e alma...
Horas de inquieta calma!

E hoje pergunto em mim
Que foi que amei, beijei
Com quem perdi o fim
Aos sonhos que sonhei...
Procuro-te e nem vejo
O meu próprio desejo...

Que foi real em nós?
Que houve em nós de sonho?
De que Nós fomos de que voz
O duplo eco risonho
Que unidade tivemos?
O que foi que perdemos?

Nós não sonhamos. Eras
Real e eu era real.
Tuas mãos – tão sinceras...
Meu gesto – tão leal...
Tu e eu lado a lado...
Isto... e isto acabado...

Como houve em nós amor
E deixou de o haver?
Sei que hoje é vaga dor
O que era então prazer...
Mas não sei que passou
Por nós e acordou...

Amámo-nos deveras?
Amamo-nos ainda?
Se penso vejo que eras
A mesma que és... E finda
Tudo o que foi o amor;
Assim quase sem dor.

Sem dor... Um pasmo vago
De ter havido amar...
Quase que me embriago
De mal poder pensar...
O que mudou e onde?
O que é que em nós se esconde?

Talvez sintas como eu
E não saibas senti-lo...
Ser é ser nosso véu
Amar é encobri-lo,
Hoje que te deixei
É que sei que te amei...

Somos a nossa bruma...
É para dentro que vemos...
Caem-nos uma a uma
As compreensões que temos
E ficamos no frio
Do Universo vazio...

Que importa? Se o que foi
Entre nós foi amor,
Se por te amar me dói
Já não te amar, e a dor
Tem um íntimo sentido,
Nada será perdido...

E além de nós, no Agora
Que não nos tem por véus
Viveremos a Hora
Virados para Deus
E num momento mudo
Compreenderemos tudo.


Corpos
O meu corpo é o abismo entre eu e eu.

Se tudo é um sonho sob o sonho aberto
Do céu irreal, sonhar-te é possuir-te,
E possuir-te é sonhar-te de mais perto.

As almas sempre separadas,
Os corpos são sonho de uma ponte
Sobre um abismo que nem margens tem

Eu porque me conheço, me separo
De mim, e penso, e o pensamento é avaro

A hora passa. Mas meu sonho é meu.


PÓLOS SUL e norte...
Meu tédio gageiro,
Por que estranha sorte
Não há um terceiro?

Mas a terra... a ciência,
Ciência, sim, isso já...
Já disse... Evidência...
Mas por que o não há?



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1902-1912

Índice


Treno

Se morreres, ficará
O sol: nada mudará.
Menos um existirá.
Quem amaste esquecerá.
Quem te odiou não lembrará.
Tua mãe te chorará,
Mas o pranto acabará.
Teu pai te lamentará,
E o lamento parará.
Teu irmão refletirá
Que como tu morrerá.
Tua irmã suspirará,
E a dor no suspiro irá.
Tua viúva casará
Ou amante tomará.
Teu filho soluçará
Até que adormecerá.
Por povo que lidará,
Ruas onde o sol dará,
Teu caixão te levará,
E alguém te enterrará,
Terra em cima deitará.
Teu corpo descansará.
Se sossego ele terá
O Mistério to dirá.


Mar. Manhã.
Suavemente grande avança
Cheia de sol a onda do mar;
Pausadamente se balança,
E desce como a descansar.

Tão lenta e longa que parece
Duma criança de Titã
O glauco seio que adormece,
Arfando à brisa da manhã.

Parece ser um ente apenas
Este correr da onda do mar,
Como uma cobra que em serenas
Dobras se alongue o colear.

Unido e vasto e interminável
No são sossego azul do sol,
Arfa com um mover-se estável
O oceano ébrio de arrebol.

E a minha sensação é nula,
Quer de prazer, quer de pesar...
Ébria de alheia a mim ondula
Na onda lúcida do mar.


ÀS VEZES EM sonho triste
Aos meus desejos existe
Longinquamente um país
Onde ser feliz consiste
Apenas em ser feliz.

Vive-se como se nasce
Sem o querer nem saber
Nessa ilusão de viver
O tempo morre e renasce
Sem que o sintamos correr.

O sentir e o desejar
São banidos dessa terra
O amor não é amar
Nesse país por onde erra
Meu longínquo divagar.

Nem se sonha nem se vive
É uma infância sem fim.
Parece que se revive
Tão suave é viver assim
Nesse impossível jardim.


Estado de alma
Inutilmente vivida
Acumula-se-me a vida
Em anos, meses e dias;
Inutilmente vivida,
Sem dores nem alegrias,
Mas só em monotonias
De mágoa incompreendida...

Mágoa sem fogo de vida
Que a faça viva e sentida;
Mas a mágoa de mãos frias
E inaptas para arte ou lida,
Nem p’ra gestos de agonias
Ou mostras de alma vencida.

Nada; inerte e dolorida;
A minha dor se extasia
Por não ser, e tem só vida
Para em torno a noite fria
Sentir vaga e indefinida...


Noite
Ó Noite maternal e relembrada
Dos princípios obscuros do viver;
Ó Noite fiel à escuridão sagrada
Donde o mundo é o crime de nascer;

Ó Noite suave à alma fatigada
De querer na descrença poder crer;
Cerca-me e envolve-me... Eu não sou nada
Senão alguém que quer a ti volver...

Ó Noite antiga e misericordiosa,
Que seja toda em ti a indefinida
Existência que a alma me não goza!

Sê meu último ser! Dá-me por sorte
Qualquer cousa mais minha do que a vida,
Qualquer cousa mais tua do que a morte.


Tédio
Não vivo, mal vegeto, duro apenas,
Vazio dos sentidos porque existo;
Não tenho infelizmente sequer penas,
E o meu mal é ter (alheio Cristo)
Nestas horas doridas e serenas
Completamente consciência disto.


BÓIA À TONA DA ÁGUA MORTA da minha recordação
No silêncio do meu coração
O cadáver do meu passado.
E eleva-se de além sobre o ar escuro
O espectro do meu futuro,
Mas para mim tanto passado como futuro
Tanto futuro como passado
São qualquer cousa de igualmente acabado.


SINTO ÀS VEZES EM MIM nas horas calmas
Em combate de ânsias desiguais
Intercruzadas vidas ancestrais
A múltipla unidade de ermas almas.


O MUNDO, ó alma cansada,
É uma porta aberta, por onde
Se vê, logo defronte,
Uma outra porta, fechada.


A alguém que já namora
Eu sei de uns olhos castanhos,
(Por sinal que nunca choram);
E esses olhos lindos, tenho-os
Por olhos que já namoram...

Já! já! já! Que atrevimento!
Ainda não são de mulher,
E já mostram sentimento
Já são p’ra mais do que ver...

Já mostram um coração
Nos seus brilhos mal escondidos;
E nem nos pedem perdão
De serem tão atrevidos...

Os bebés, por este andar,
Dentro em pouco quando for
Altura de já falar
Principiarão por gritar,
Não Mamãe, mas sim Amor.


TÃO ABSTRATA É A IDEIA do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica ao meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te; e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
À ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que me sonho o que me sinto sendo.


UM CANSAÇO FEBRIL, uma tristeza informe
O meu espírito intranquilamente dorme.
Combati, fui o gládio e o braço e a intenção
E dói-me a alma na alma e no gládio e na mão...
Meu gládio está caído aos meus pés... Um torpor
Impregna de cansaço a minha própria dor...


A outra visão
Eu sonho. Morre-me no olhar parado
A alma; a outro olhar interior aflora
E vê de dentro as Cousa e a Hora...
Visto do Outro Lado,
Cada Ocaso é uma Aurora...

Sonho. E a visão com que me invado
De uma nua certeza triste e calma
É um oásis em mim, com água e palma
Visto do Outro Lado,
Cada Corpo é uma Alma...

Sonho mais. Perco a vida do estagnado
Na visão com terço em mim aos céus
E faço a realidade sonhos meus...
Visto do Outro Lado,
O Todo é Nada e o Nada é Deus.


O RELÓGIO sonolento
Lento no fundo do olvido,
É um velho sentimento
Que trago ainda no ouvido.

Na velha casa que é hoje
O passado intensamente,
Seu som dura, seu som foge,
E só quem fui é que o sente.


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Fernando Pessoa

Seleção dos melhores poemas escritos ao longo da vida pelo grande poeta português:

1902-1912

1913




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samedi 12 février 2011

Traduções (português)


Nos cumes do desespero (Cioran)




.

Tradução: Nos cumes do desespero

A idéia de traduzir este pequeno livro de ensaios do escritor romeno Cioran surgiu há um mês. Tendo acabado de lê-lo, ainda atordoado pelo vigor das suas palavras, resolvi pesquisar a obra do sujeito. Para minha grande surpresa, descobri que traduções para o português eram raríssimas e que o autor era bastante desconhecido por aqui. Nos cumes do desespero, por exemplo, que li em francês, ainda não tem uma tradução para o português.

Daí até a idéia de traduzí-lo, mesmo que indiretamente, uma vez que o original tenha sido escrito em romeno, foi um processo natural. Postarei aos poucos, talvez um ensaio por dia, à medida que for avançando com a tradução, de forma que em menos de dois meses tenhamos o livro completo em português disponível no site.

Espero ainda ter tempo para aprender romeno e, quem sabe, traduzir sua maravilhosa obra direto do original.








.

Nos cumes do desespero

Prefácio

Ser lírico


Como tudo é longe!

Não poder mais viver


A paixão do absurdo


Medida do sofrimento


A irrupção do espírito


Eu e o mundo


Esgotamento e agonia


O grotesco e o desespero


O pressentimento da loucura


Sobre a morte


A melancolia

Nada tem importância

Êxtase

Um mundo em que nada é resoluto

Contradições e inconsequências

Sobre a tristeza

A insatisfação total

O banho de fogo

A desintegração

Sobre a realidade do corpo

Solidão individual e solidão cósmica

Apocalipse

O monopólio do sofrimento

O sentido do suicídio

O lirismo absoluto

A essência da graça

Vaidade da compaixão

Eternidade e moral

Instante e eternidade

História e eternidade

Não mais ser homem

Sensibilidade mágica

A alegria inconcebível

Ambiguidade do sofrimento

Pó, eis tudo

O entusiasmo como forma de amor

Luz e trevas

A renúncia

Os benefícios da insônia

Transubstanciação do amor

O homem, animal insone

O absoluto no instante

A verdade, que palavra!

A beleza das chamas

Pobreza da sabedoria

O retorno ao caos

Ironia e auto-ironia

A deserção do Cristo

O culto ao infinito

Transfiguração da banalidade

Gravidade da tristeza

A degradação pelo trabalho

O sentido do derradeiro

O princípio satânico do sofrimento

O animal indireto

A verdade impossível

Subjetivismo

Homo...

O amor em resumo

O que importa!

As fontes do mal

Prestidigitações da beleza


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vendredi 11 février 2011

Français 1: L'adjectif possessif 2

Lisez ce petit texte en faisant attention aux adjectifs possessifs.

Moi, je m'appelle Raphäel. J'ai 22 ans et je suis professeur.

Mon
père s'appelle Marcus, il a 50 ans et travaille comme ingénieur. Son père, ou soit, mon grand-père, s'appelle Helton, un monsieur âgé et riche qui a une entreprise. Son* entreprise vend des appareils mécaniques. Mr. Helton est marié avec Mary, ma grande-mère. Ils ont 3 enfants: 2 fils et 1 fille. Le premier de leurs enfants est mon père, Marcus. Leur deuxième enfant s'appelle Júlio, et il est mon oncle. Leur troisième c'est Claudia, ma tante.

* Entreprise
est un mot féminin, mais comme le prochain mot commence par voyelle, il faut utiliser SON au lieu. Est-ce que vous vous souvenez de cette exception? Sinon, regardez à la page cinquante-deux du livre Tout Va Bien.


Très bien... Maintenant, vous allez compléter le prochain texte avec les adjectifs possessifs qui conviennent:

Je suis fils de Carmem, une professeure comme moi. __________ mère n'a pas beaucoup d'argent, parce que les professeurs ne reçoivent pas bien dans ____________ pays. ___________ mère, ma grande-mère, s'appelle Zulmira et elle est né dans le nordest du Brésil. Le père de ma mère, ____________ grand-père, s'est mariè avec elle et ils sont venus ensemble à Belo Horizonte. _____________ enfants sont seulement des femmes - _____________ première fille a été ____________ tante, Thaís. ______________ deuxième fille c'est ___________ mère, Carmem.



Réponses:
Ma mère/ notre pays/ Sa mère/ son grand-père/ Leurs enfants/ Leur première/ ma tante/ Leur deuxième/ ma mère.



Très bien! Dans la prochaine leçon on va voir les explications des adjectifs possessifs pour la deuxième personne du singulier et du pluriel.


Charneca em flor

Eu
Até agora eu não me conhecia,
Julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.

Mas que eu não era Eu não o sabia
E, mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim... e não me via!

Andava a procurar-me – pobre louca! –
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!

E esta ânsia de viver, que nada acalma,
E a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!


Supremo enleio
Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!

Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta...
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!

Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!

E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda...


Ser Poeta
Ser Poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda gente!


Amar!
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!

Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!

Há muitas Primaveras numa vida:
É preciso cantá-las se florida
A alma está. Cantar! Cantar! Cantar!

E se um dia hei de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...


Nostalgia
Nesse País de lenda, que me encanta,
Ficaram meus brocados, que despi,
E as jóias que p’las aias reparti
Como outras rosas de Rainha Santa!

Tanta opala que eu tinha! Tanta, tanta!
Foi por lá que as semeei e que as perdi...
Mostrem-me esse País onde eu nasci!
Mostrem-me o Reino de que sou Infanta!

O meu País de sonho e de ansiedade,
Não sei se esta quimera que me assombra,
É feita de mentira ou de verdade!

Quero voltar! Não sei por onde vim...
Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra
Por entre tanta sombra igual a mim!


Os meus versos
Rasga esses versos que eu te fi, Amor!
Deita-os ao nada, ao pó, ao esquecimento,
Que a cinza os cubra, que os arraste o vento,
Que a tempestade os leve aonde for!

Rasga-os na mente, se os souberes de cor,
Que volte ao nada o nada dum momento.
Julguei-me grande pelo sentimento,
E pelo orgulho ainda sou maior!...

Tanto verso já disse o que eu sonhei!
Tantos penaram já o que eu penei!
Asas que passam, todo o mundo as sente...

Rasga os meus versos... Pobre endoidecida!
Como se um grande amor cá nesta vida
Não fosse o mesmo amor de toda a gente!...


À morte
Morte, minha Senhora Dona Morte,
Tão bom que deve ser o teu abraço!
Lânguido e doce como um doce laço
E como uma raiz, sereno e forte.

Não há mal que não sare ou não conforte
Tua mão que nos guia passo a passo,
Em ti, dentro de ti, no teu regaço
Não há triste destino nem má sorte.

Dona Morte dos dedos de veludo,
Fecha-me os olhos que já viram tudo!
Prende-me as asas que voaram tanto!

Vim da Moirama, sou filha de rei,
Má fada me encantou e aqui fiquei
À tua espera,... quebra-me o encanto!



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Livro de Sóror Saudade

Frieza
Os teus olhos são frios como as espadas,
E claros como os trágicos punhais,
Têm brilhos cortantes de metais
E fulgores de lâminas geladas.

Vejo neles imagens retratadas
De abandonos cruéis e desleais,
Fantásticos desejos irreais,
E todo o ouro e o sol das madrugadas!

Mas não te invejo, Amor, essa indif’rença,
Que viver neste mundo sem amar
É pior que ser cego de nascença!

Tu invejas a dor que vive em mim!
E quanta vez dirás a soluçar:
“Ah, quem me dera, Irmã, amar assim!...”


A noite desce
Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos cansados, carinhosas,
A noite desce... Ah! doces mãos piedosas
Que os meus olhos tristíssimos fechassem!

Assim mãos de bondade me beijassem!
Assim me adormecessem! Caridosas
Em braçados de lírios, de mimosas,
No crepúsculo que desce me enterrassem!

A noite em sombra e fumo se desfaz...
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe-me embriagada, louca!

E a noite vai descendo, sempre calma...
Meu doce Amor tu beijas a minh’alma
Beijando nesta hora a minha boca!


Ódio?
Ódio por Ele? Não... Se o amei tanto,
Se tanto bem lhe quis no meu passado,
Se o encontrei depois de o ter sonhado,
Se à vida assim roubei todo o encanto,

Que importa se mentiu? E se hoje o pranto
Turva o meu triste olhar, marmorizado,
Olhar de monja, trágico, gelado
Com um soturno e enorme Campo Santo!

Nunca mais o amar já é bastante!
Quero senti-lo doutra, bem distante,
Como se fora meu, calma e serena!

Ódio seria em mim saudade infinda,
Mágoa de o ter perdido, amor ainda!
Ódio por Ele? Não... não vale a pena...


Sombra
De olheiras roxas, roxas, quase pretas,
De olhos límpidos, doces, languescentes,
Lagos em calma, pálidos, dormentes
Onde se debruçassem violetas...

De mãos esguias, finas hastes quietas,
Que o vento não baloiça em noites quentes...
Nocturno de Chopin... risos dolentes...
Versos tristes em sonhos de Poetas...

Beijo doce de aromas perturbantes...
Rosal bendito que dá rosas... Dantes
Esta era Eu e Eu era a Idolatrada!...

Ah, cinzas mortas! Ah, luz que se apaga!
Vou sendo, em ti, agora, a sombra vaga
D’alguém que dobra a curva duma estrada...

jeudi 10 février 2011

Música erudita

Relação de links de sinfonias e outras obras de música erudita MUITO boas:

BACH:
Art of the fugue CD 1
(Bach): Arte da fuga
A
Art of the fugue CD 2 (Bach): Arte da fuga


BARTÓK, BÉLA:
Sonata for Violin and Piano no. 1 in C-sharp minor:
Sonata para Violino e Piano no. 1
String Quartet no. 1, in A minor: Quarteto de Cordas no. 1
String Quartet no. 2, in A minor: Quarteto de Cordas no. 2
String Quartet no. 3, in C-sharp major: Quarteto de Cordas no. 3
String Quartet no. 4, in C major: Quarteto de Cordas no. 4
String Quartet no. 5 in B-flat major: Quarteto de Cordas no. 5
String Quartet no. 6 in D major: Quarteto de Cordas no. 6
Violin Concerto no. 2 in B minor: Concerto para Violino no. 2


BEETHOVEN:
Symphony no. 9
(Beethoven): Sinfonia no. 9
Symphony no.3 - Eroica (Beethoven): Sinfonia no. 3
Symphony no. 7 (Beethoven): Sinfonia no. 7


DÉBUSSY:
Prélude à l'après-midi d'une faune
(Débussy): Prelúdio à Tarde de um Fauno.

MAHLER
:
Symphony no. 2 - Ressurrection (Mahler): Sinfonia no. 2

SCHUMANN:
Dichterliebe
(Schumann): Amores do Poeta

STRAVINKSY:
Le Sacré du Printemps (Stravinsky): A Sagração da Primavera.




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Links (Download)

Música Erudita (Classic music)

Músicas em Francês (French music)


Músicas em Alemão (German music)


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samedi 5 février 2011

Florbela Espanca

Seleção dos melhores sonetos de uma das mais sensíveis poetisas portuguesas.

Livro das mágoas


Livro de Sóror Saudade

Charneca em flor



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Livro das mágoas

Pequena seleção dos melhores sonetos do livro de estréia (Livro das Mágoas, 1919) da poetisa portuguesa, Florbela Espanca.


Vaidade

Sonho que sou a Poetisa eleita,
Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade
Para encher o mundo todo!E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...
Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,
E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho... E não sou nada!


Eu...
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!


Torre de névoa
Subi ao alto, à minha Torre esguia,
Feita de fumo, névoas e luar,
E pus-me, comovida, a conversar
Com os poetas mortos, todo o dia.

Contei-lhes os meus sonhos, a alegria
Dos versos que são meus, do meu sonhar,
E todos os poetas, a chorar,
Responderam-me então: “Que fantasia,

Criança doida e crente! Nós também
Tivemos ilusões, como ninguém,
E tudo nos fugiu, tudo morreu...”

Calaram-se os poetas, tristemente...
E é desde então que eu choro amargamente
Na minha Torre esguia junto ao Céu!...


A maior tortura
Na vida, para mim, não há deleite.
Ando a chorar convulsa noite e dia...
E não tenho uma sombra fugidia
Onde poise a cabeça, onde me deite!

E nem flor de lilás tenho que enfeite
A minha atroz, imensa nostalgia!...
A minha pobre Mãe tão branca e fria
Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!

Poeta, eu sou um cardo desprezado,
A urze que se pisa sob os pés.
Sou, como tu, um riso desgraçado!

Mas a minha tortura ainda é maior:
Não ser poeta assim como tu és,
Para gritar num verso a minha Dor!...


A um livro
No silêncio de cinzas do meu Ser
Agita-se uma sombra de cipreste,
É uma sombra triste que ando a ler
No livro cheio de mágoa que me deste!

Estranho livro aquele que escreveste
Poeta da saudade e do sofrer
Estranho livro em que puseste
Tudo o que eu sinto sem poder dizer!

Parece que folheio toda a minh’alma!
O livro que me deste, é meu e salma
As orações que choro e rio e canto!

Poeta igual a mim, ai quem me dera
Dizer o que tu dizer! Quem soubera
Velar a minha Dor desse teu manto!


Alma perdida
Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma de gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, alma doente
D’alguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste... E eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh’alma
Que chorasse perdida em tua voz!...


Em busca do amor
O meu Destino disse-me a chorar:
“Pela estrada da Vida vai andando;
E, aos que vires passar, interrogando
Acerca do Amor que hás de encontrar”.

Fui pela estrada a rir e a cantar,
As contas do meu sonho desfiando...
E noite e dia, à chuva e ao luar,
Fui sempre caminhando e perguntando...

Mesmo a um velho eu perguntei: “Velhinho,
Viste o Amor acaso em teu caminho?”
E o velho estremeceu... olhou... e riu...

Agora pela estrada, já cansados
Voltam todos pra trás, desanimados...
E eu paro a murmurar: “Ninguém o viu!...”


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vendredi 4 février 2011

Gregório de Matos (português)

Seleção do que há de melhor na poesia erótico-religiosa do "Boca do Inferno":


Admirável expressão que faz o poeta de seu atencioso silêncio
Largo em sentir, em respirar sucinto,
Penso, e calo, tão fino, e tão atento,
Que fazendo disfarce do tormento,
Mostro que o não padeço, e sei que o sinto.

O mal, que fora encubro, ou que desminto,
Dentro no coração é que o sustento:
Com que, para penar é sentimento,
Para não se entender, é labirinto.

Ninguém sufoca a voz nos seus retiros;
Da tempestade é o estrondo efeito:
Lá tem ecos a terra, o mar suspiros.

Mas oh do meu segredo alto conceito!
Pois não chegam a vir à boca os tiros
Dos combates que vão dentro no peito.


Descreve com galharda propriedade o labirinto confuso de suas desconfianças
Ó caos confuso, labirinto horrendo,
Onde não topo luz, nem fio achando;
Lugar de glória, aonde estou penando;
Casa da morte, aonde estou vivendo!

Oh voz sem distinção, Babel tremendo;
Pesada fantasia, sono brando;
Onde o mesmo que toco, estou sonhando;
Onde o próprio que escuto, não o entendo.

Sempre és certeza, nunca desengano;
E a ambas pretensões com igualdade,
No bem te não penetro, nem no dano.

És ciúme martírio da vontade;
Verdadeiro tormento para engano;
E cega presunção para verdade.


Segunda impaciência do poeta
Cresce o desejo; falta o sofrimento;
Sofrendo morro; morro desejando:
Por uma, e outra parte estou penando,
Sem poder dar alívio ao meu tormento.

Se quero declarar meu pensamento,
Está-me um gesto grave acovardando;
E tenho por melhor morrer calando,
Que fiar-me de um néscio atrevimento.

Quem pretende alcançar, espera; e cala;
Porque quem temerário se abalança,
Muitas vezes o Amor o desiguala:

Pois se aquele, que espera, sempre alcança;
Quero ter por melhor morrer sem fala;
Que falando, perder toda a esperança.


Chora um bem perdido, porque o perdeu na posse
Porque não merecia o que lograva,
Deixei como ignorante o bem que tinha,
Vim sem considerar aonde vinha,
Deixei sem atender o que deixava:

Suspiro agora em vão o que gozava,
Quando não me aproveita a pena minha,
Que quem errou sem ver o que convinha,
Ou entendia pouco, ou pouco amava.

Padeça agora, e morra suspirando
O mal, que passo, o bem que possuía;
Pague no mal presente o bem passado.

Que quem podia, e não quis viver gozando
Confesse, que esta pena merecia,
E morra, quando menos confessado.


No fluxo e refluxo da maré encontra o poeta incentivo para recordar seus males
Seis horas enche e outras tantas vaza
A maré pelas margens do oceano,
E não larga a tarefa um ponto no ano,
Porquanto o mar rodeia, e o sol abrasa.

Desde a esfera primeira opaca, ou rasa,
A Lua com impulso soberano
Engole o mar por um secreto cano,
E quando o mar vomita, o mundo arrasa.

Muda-se o tempo, e suas temperanças,
Até o céu se muda, a terra, os mares,
E tudo está sujeito a mil mudanças.

Só eu, que todo o fim de meus pesares
Eram de algum minguante as esperanças,
Nunca o minguante vi de meus azares.


Aos afetos, e lágrimas derramadas na ausência da dama a quem queria bem
Ardor em firme coração nascido;
Pranto por belos olhos derramado;
Incêndio em mares de água disfarçado;
Rio de neve em fogo convertido:

Tu, que em um peito abrasas escondido;
Tu, que em um rosto corres desatado;
Quando fogo, em cristais aprisionado;
Quando cristal em chamas derretido.

Se és fogo como passas brandamente,
Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!

Pois para temperar a tirania,
Como quis que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu parecesse a chama vazia.


Retrata o poeta as perfeições de sua senhora
Se há de ver-vos quem há de retratar-vos
E é forçoso cegar quem chega a ver-vos,
Sem agravar meus olhos, e ofender-vos,
Não há de ser possível copiar-vos.

Com neve, e rosas quis assemelhar-vos,
Mas fora honrar as flores, e abater-vos;
Dois zéfiros por olhos quis fazer-vos;
Mas quando sonham eles de imitar-vos?

Vendo que a impossíveis me aparelho,
Desconfiei da minha tinta imprópria,
E a obra encomendei a vosso espelho.

Porque nele com luz, e cor mais própria
Sereis, se não me engana o meu conselho,
Pintor, pintura, original e cópia.


Solitário em seu quarto á vista da luz do candeeiro porfia o poeta pensamentear exemplos de seu amor na borboleta

Ó tu do meu amor fiel traslado
Mariposa, entre as chamas consumida,
Pois se à força do ardor perdes a vida,
A violência do fogo me há prostrado.

Tu de amante o teu fim hás encontrado,
Essa flama girando apetecida,
Eu girando uma penha endurecida,
No fogo, que exalou, morro abrasado.

Ambos, de firmes, anelando chamas,
Tu a vida deixas, eu a morte imploro,
Nas constâncias iguais, iguais nas famas.

Mas, ai!, que a diferença entre nós choro;
Pois acabando tu ao fogo, que amas,
Eu morro, sem chegar à luz, que adoro.


Resposta a um amigo em matéria amorosa
Fábio, que pouco entendes de finezas!
Quem faz só o que pode, a pouco obriga:
Quem contra os impossíveis se afadiga,
A esse cede amor em mil ternezas.

Amor comete sempre altas empresas:
Pouco amor, muita sede não mitiga;
Quem impossíveis vence, este me instiga
Vencer por ele muitas estranhezas.

As durezas da cera o Sol abranda,
E da terra as branduras endurece,
Atrás do que resiste o raio se anda:

Quem vence a resistência se enobrece;
Quem pode, o que não pode, impera e manda,
Quem faz mais do que pode, esse merece.


Desaires da formosura com as pensões da natureza ponderadas na mesma dama
Rubi, concha de perlas peregrina,
Animado cristal, viva escarlata,
Duas safiras sobre lisa prata,
Ouro encrespado sobre prata fina.

Este o rostinho é de Caterina;
E porque docemente obriga, e mata,
Não livra o ser divina em ser ingrata,
E raio a raio os corações fulmina.

Viu Fábio uma tarde transportado
Bebendo admirações, e galhardias,
A quem já tanto amor levantou aras:

Disse igualmente amante, e magoado:
Ah muchacha gentil, que tal serias,
Se sendo tão formosa não cagaras!


A umas freiras que mandaram perguntar por ociosidade ao poeta a definição do Priapo e ele lhes mandou definido, e explicado nestas

1
Ei-lo vai desenfreado,
que quebrou na briga o freio,
todo vai de sangue cheio,
todo vai ensangüentado:
meteu-se na briga armado,
como quem nada receia,
foi dar um golpe na veia,
deu outro também em si,
bem merece estar assi,
quem se mete em casa alheia.

2
Inda que pareça nova,
Senhora, a comparação,
é semelhante ao furão,
que entra sem temer a cova,
quer faça calma, quer chova,
nunca receia as estradas,
mas antes se estão tapadas,
para as poder penetrar,
começa de pelejar
como porco às focinhadas.

3
Este lampreão com talo,
que tudo come sem nojo,
tem pesos como relojo,
também serve de badalo:
tem freio como cavalo,
e como frade capelo,
é coisa engraçada vê-lo
ora curto, ora comprido,
anda de peles vestido,
curtidas já sem cabelo.

4
Quem seu preço não entende
não dará por ele nada,
é como cobra enroscada
que em aquecendo se estende:
é círio, quando se acende,
é relógio, que não mente,
é pepino de semente,
tem cano como funil,
é pau para tamboril,
bate os couros lindamente.

5
É grande mergulhador,
e jamais perdeu o nado,
antes quando mergulhado
sente então gosto maior:
traz cascavéis como Assor,
e como tal se mantém
de carne crua também,
estando sempre a comer,
ninguém lhe ouvirá dizer,
esta carne falta tem.

6
Se se agasta, quebra as trelas
como leão assanhado,
tenho um só olho, e vazado,
tudo acerta às palpadelas:
amassa tendo gamelas
doze vezes sem cansar,
e traz já para amassar
as costas tão bem dispostas,
que traz envolto nas costas
fermento de levedar.

7
Tanto tem de mais valia
quanto tem de teso, e relho,
é semelhante ao coelho,
que somente em cova cria:
quer de noite, quer de dia,
se tem pasto, sempre come,
o comer lhe acende a fome,
mas às vezes de cansado,
de prazer inteiriçado,
dentro em si se esconde, e some.

8
Está sempre soluçando
como triste solitário,
mas se avista seu contrário,
fica como o barco arfando:
quer fique duro, quer brando,
tem natureza, e casta,
que no instante em que se agasta,
(qual galgo, que a lebre vê)
dá com tanta força, que,
os que tem presos, arrasta.

9
Tem uma contínua fome,
e sempre para comer
está pronto, e é de crer
que em qualquer das horas come:
traz por geração seu nome,
que por fim hei de explicar,
e também posso afirmar
que, sendo tão esfaimado,
dá leite como um danado,
a quem o quer ordenhar.

10
É da condição de ouriço,
que quando lhe tocam, se arma,
ergue-se em tocando alarma,
como cavalo castiço:
é mais longo, que roliço,
de condição mui travessa,
direi, porque não me esqueça,
que é criado nas cavernas,
e que somente entre as pernas
gosta de ter a cabeça.

11
É bem feito pelas costas,
que parece uma banana,
com as mulheres engana
trazendo-as bem descompostas:
nem boas, nem más respostas,
lhe ouviram dizer jamais,
porém causa efeitos tais,
que quem experimenta, os sabe,
quando na língua não cabe
a conta dos seus sinais.

12
É pincel, que cem mil vezes
mais que os outros pincéis val,
porque dura sempre a cal
com que caia, nove meses
este faz haver Meneses,
Almadas, e Vasconcelos,
Rochas, Farias, e Teles,
Coelhos, Britos, Pereiras
Sousas, e Castros, e Meiras,
Lancastros, Coutinhos, Melos.

13
Este, Senhora, a quem sigo,
de tão raras condições,
é caralho de culhões,
das mulheres muito amigo:
se o tomais na mão, vos digo
que haveis de achá-lo sisudo;
mas sorumbático, e mudo,
sem que vos diga o que quer,
vos haveis de oferecer
o seu serviço, contudo.


Definição do amor

Mandai-me, Senhores, hoje,
que em breves rasgos descreva
do Amor a ilustre prosápia,
e de Cupido as proezas.

Dizem que da clara escuma,
dizem que do mar nascera,
que pegam debaixo d’água
as armas, que Amor carrega.

Outros, que fora ferreiro
seu pai, onde Vênus bela
serviu de bigorna, em que
malhava com grã destreza.

Que a dois assopros lhe fez
o fole inchar de maneira,
que nele o fogo acendia,
nela aguava a ferramenta.

Nada disto é, nem se ignora,
que o Amor é fogo, e bem era
tivesse por berço as chamas
se é raio nas aparências.

Este se chama Monarca,
ou Semideus se nomeia,
cujo céu são esperanças,
cujo inferno são ausências.

Um Rei, que mares domina,
um Rei, o mundo sopeia,
sem mais tesouro que um arco,
sem mais arma que uma seta.

O arco talvez de pipa,
a seta talvez de esteira,
despido como um maroto,
cego como uma toupeira.

Um maltrapilho, um ninguém,
que anda hoje nestas eras
com o cu à mostra, jogando
com todos a cabra-cega.

Tapando os olhos da cara,
por deixar o outro alerta,
por detrás à italiana,
por diante à portuguesa.

Diz que é cego, porque canta,
ou porque vende gazetas
das vitórias, que alcançou
na conquista das finezas.

Que vende também folhinhas
cremos por coisa mui certa,
pois nos dá os dias santos,
sem dar ao cuidado tréguas;

E porque despido o pintam
é tudo mentira certa,
mas eu tomara ter junto
o que Amor a mim me leva.

Que tem asas com que voa
e num pensamento chega
assistir hoje em Cascais
logo em Coina, e Salvaterra.

Isto faz um arrieiro
com duas porradas tesas:
e é bem, que no Amor se gabe,
o que o vinho só fizera!

E isto é Amor? é um corno.
Isto é Cupido? má peça.
Aconselho que o não comprem
ainda que lhe achem venda.

Isto, que o Amor se chama,
este, que vidas enterra,
este, que alvedrios prostra,
este, que em palácios entra:

Este, que o juízo tira,
este, que roubou a Helena,
este, que queimou a Troia,
e a Grã-Bretanha perdera:

Este, que a Sansão fez fraco,
este, que o ouro despreza,
faz liberal o avarento,
é assunto dos poetas:

Faz o sisudo andar louco,
faz pazes, ateia a guerra,
o frade andar desterrado,
endoidece a triste freira.

Largar a almofada a moça,
ir mil vezes à janela,
abrir portas de cem chaves,
e mais que gata janeira.

Subir muros e telhados,
trepar chaminés e gretas,
chorar lágrimas de punhos,
gastar em escritos resmas.

Gastar cordas em descantes,
perder a vida em pendências,
este, que não faz parar
oficial algum na tenda.

O moço com sua moça,
o negro com sua negra,
este, de quem finalmente
dizem que é glória, e que é pena.

É glória, que martiriza,
uma pena, que receia,
é um fel com mil doçuras,
favo com mil asperezas.

Um antídoto, que mata,
doce veneno, que enleia,
uma discrição sem siso,
uma loucura discreta.

Uma prisão toda livre,
uma liberdade presa,
desvelo com mil descansos,
descanso com mil desvelos.

Uma esperança, sem posse,
uma posse, que não chega,
desejo, que não se acaba,
ânsia, que sempre começa.

Uma hidropisia da alma,
da razão uma cegueira,
uma febre da vontade,
uma gostosa doença.

Uma ferida sem cura,
uma chaga, que deleita,
um frenesi dos sentidos,
desacordo das potências.

Um fogo incendido em mina,
faísca emboscada em pedra,
um mal, que não tem remédio,
um bem, que se não enxerga.

Um gosto, que se não conta,
um perigo, que não deixa,
um estrago, que se busca,
ruína, que lisonjeia.

Uma dor, que se não cala,
pena, que sempre atormenta,
manjar, que não enfastia,
um brinco, que sempre enleva.

Um arrojo, que enfeitiça,
um engano, que contenta,
um raio, que rompe a nuvem,
que reconcentra a esfera.

Víbora, que a vida tira
àquelas entranhas mesmas,
que segurou o veneno,
e que o mesmo ser lhe dera.

Um áspide entre boninas,
entre bosques uma fera,
entre chamas salamandra,
pois das chamas se alimenta.

Um basilisco, que mata,
lince, que tudo penetra,
feiticeiro, que adivinha,
marau, que tudo suspeita.

Enfim o Amor é um momo,
uma invenção, uma teima,
um melindre, uma carranca,
uma raiva, uma fineza.

Uma meiguice, um afago,
um arrufo, e uma guerra,
hoje volta, amanhã torna,
hoje solda, amanhã quebra.

Uma vara de esquivanças,
de ciúmes vara e meia,
um sim, que quer dizer não,
não, que por sim se interpreta.

Um queixar de mentirinha,
um folgar muito deveras,
um embasbacar na vista,
um ai, quando a mão se aperta.

Um falar por entre os dentes,
dormir a olhos alerta,
que estes dizem mais dormindo,
do que a língua diz discreta.

Uns temores de mal pago,
uns receios de uma ofensa,
um dizer choro contigo,
choramingar nas ausências.

Mandar brinco de sangrias,
passar cabelos por prenda,
dar palmitos pelos Ramos,
e dar folar pela festa.

Anal pelo São João,
alcachofras na fogueira,
ele pedir-lhe ciúmes,
ela sapatos e meias.

Leques, fitas e manguitos,
rendas da moda francesa,
sapatos de marroquim,
guarda-pé de primavera.

Livre Deus, a quem encontra,
ou lhe suceder ter freira;
pede-vos por um recado
sermão, cera e caramelas.

Arre lá com tal amor!
isto é amor? é quimera,
que faz de um homem prudente
converter-se logo em besta.

Uma bofia, uma mentira
chamar-lhe-ei, mais depressa,
fogo selvagem nas bolsas,
e uma sarna das moedas.

Uma traça dos descanso,
do coração bertoeja,
sarampo da liberdade,
carruncho, rabuge e lepra.

É este, o que chupa, e tira
vida, saúde e fazenda,
e se hemos falar verdade
é hoje o Amor desta era

Tudo uma bebedice,
ou tudo uma borracheira,
que se acaba co’o dormir,
e co’o dormir se começa.

O Amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias.

Uma confusão de bocas,
uma batalha de veias,
um reboliço de ancas,
quem diz outra coisa, é besta.


A Jesus Cristo nosso senhor
Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque, quanto mais tenho delinqüido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.


A Cristo S. N. crucificado estando o poeta na última hora de sua vida

Meu Deus, que estais pendente de um madeiro,
Em cuja lei protesto de viver,
Em cuja santa lei hei de morrer
Animoso, constante, firme e inteiro:

Neste lance, por ser o derradeiro,
Pois vejo a minha vida anoitecer,
É, meu Jesus, a hora de se ver
A brandura de um Pai, manso cordeiro.

Mui grande é vosso amor e o meu delito;
Porém pode ter fim todo o pecar,
E não o vosso amor, que é infinito.

Esta razão me obriga a confiar,
Que, por mais que pequei, neste conflito
Espero em vosso amor de me salvar.


Achando-se um braço perdido do Menino Deus de N. S. das Maravilhas, que desacataram infiéis na Sé da Bahia

O todo sem a parte não é todo;
A parte sem o todo não é parte;
Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga que é parte, sendo o todo.

Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
E feito em partes todo em toda a parte,
Em qualquer parte sempre fica todo.

O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,
Um braço que lhe acharam, sendo parte,
Nos diz as partes todas deste todo.


No sermão que pregou na Madre de Deus d. João Franco de Oliveira pondera o poeta a fragilidade humana

Na oração, que desaterra.................... a terra,
Quer Deus que a quem está o cuidado dado,
Pregue que a vida é emprestado......... estado,
Mistérios mil, que desenterra............. enterra.

Quem não cuida de si, que é terra,...... erra,
Que o alto Rei, por afamado................ amado,
É quem lhe assiste ao desvelado.......... lado,
Da morte ao ar não desaferra.............. aferra.

Quem do mundo a mortal loucura....... cura
À vontade de Deus sagrada.................. agrada,
Firma-lhe a vida em atadura................ dura.

Ó voz zelosa, que dobrada................... brada,
Já sei que a flor da formosura.............. usura,
Será no fim desta jornada.................... nada.


Moraliza o poeta nos ocidentes do Sol a inconstância dos bens do mundo

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém, se acaba o Sol, por que nascia?
Se é tão formosa a Luz, por que não dura?
Como assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se a tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.


Terceira vez impaciente muda o poeta o seu soneto na forma seguinte
Discreta, e formosíssima Maria,
Enquanto estamos vendo claramente
Na vossa ardente vista o sol ardente,
E na rosada face a aurora fria:

Enquanto pois produz, enquanto cria
Essa esfera gentil, mina excelente
No cabelo o metal mais reluzente,
E na boca a mais fina pedraria:

Gozai, gozai da flor da formosura,
Antes que o frio da madura idade
Tronco deixe despido, o que é verdura.

Que passado o zênite da mocidade,
Sem a noite encontrar da sepultura,
É cada dia ocaso da beldade.


À morte de Afonso Barbosa da Franca, amigo do poeta
Quem pudera de pranto soçobrado,
Quem pudera em choro submergido
Dizer, o que na vida te hei querido,
Contar, o que na morte te hei chorado.

Só meu silêncio diga o meu cuidado,
Que explica mais que a voz de um afligido;
Porque na esfera curta de um sentido
Não cabe um sentimento dilatado.

Não choro, amigo, a tua avara sorte,
Choro a minha desgraça desmedida,
Que em privar-me de ver-te foi mais forte.

Tu com tanta memória repetida
Acharás nova vida em mãos da morte,
Eu, triste, nova morte, em mãos da vida.


Ao Dia do Juízo

O alegre do dia entristecido,
O silêncio da noite perturbado,
O resplandor do sol todo eclipsado,
E o luzente da lua desmentido.

Rompa todo o criado em um gemido.
Que é de ti, mundo? onde tens parado?
Se tudo neste instante está acabado,
Tanto importa o não ser, como o haver sido.

Soa a trombeta da maior altura,
A que a vivos e mortos traz o aviso
Da desventura de uns, de outros ventura.

Acabe o mundo, porque é já preciso,
Erga-se o morto, deixe a sepultura,
Porque é chegado o Dia do Juízo.


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Camões (português)

Pequena seleção dos meus sonetos preferidos de Camões.

Soneto 9
Tanto de meu estado me acho incerto,
Que em vivo ardor tremendo estou de frio;
Sem causa, juntamente choro e rio,
O mundo todo abarco e nada aperto.

É tudo quanto sinto, um desconcerto;
Da alma um fogo me sai, da vista um rio;
Agora espero, agora desconfio,
Agora desvario, agora acerto.

Estando em Terra, chego ao Céu voando;
Numa hora acho mil ano; e é de jeito
Que em mil anos não posso achar uma hora.

Se me pergunta alguém porque assim ando,
Respondo que não sei; porém suspeito
Que é só porque vos vi, minha Senhora.


Soneto 10
Transforma-se o amador na coisa amada
Por virtude do muito imaginar;
Não tenho, logo, mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minh’alma transformada,
Que mais deseja o corpo de alcançar?
Em si somente pode descansar,
Pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semidéia,
Que, como o acidente em seu sujeito,
Assim com a alma minha se conforma,

Está no pensamento como idéia;
O vivo e puro amor de que sou feito,
Como a matéria simples busca a forma.


Soneto 15
Busque Amor novas artes, novo engenho
Para matar-me, e novas esquivanças;
Que não pode tirar-me as esperanças,
Que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não possa haver desgosto
Onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê;

Que dias há que n’alma me tem posto
Um não sei quê, que nasce não sei onde,
Vem não sei como e dói não sei porquê.


Soneto 19

Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma coisa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.


Soneto 23
Cara minha inimiga, em cuja mão
Pôs meus contentamentos a ventura,
Faltou-te a ti na terra sepultura,
Porque me falte a mim consolação.

Eternamente as águas lograrão
A tua peregrina formosura;
Mas, enquanto me a mim a vida dura,
Sempre viva em minh’alma te acharão.

E, se os meus rudes versos podem tanto
Que possam prometer-te longa história
Daquele amor tão puro e verdadeiro,

Celebrada serás sempre em meu canto;
Porque enquanto no mundo houver memória,
Será minha escritura teu letreiro.


Soneto 24
Aquela triste e leda madrugada,
Cheia toda de mágoa e de piedade,
Enquanto houver no mundo saudade
Quero que seja sempre celebrada.

Ela só, quando amena e marchetada
Saía, dando ao mundo claridade,
Viu apartar-se de uma outra vontade,
Que nunca poderá ver-se apartada.

Ela só viu as lágrimas em fio.
Que de uns e de outros olhos derivadas,
Se acrescentaram em grande e largo rio.

Ela ouviu as palavras magoadas
Que puderam tornar o fogo frio
E dar descanso às almas condenadas.


Soneto 29
Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!


Soneto 40

Alegres campos, verdes arvoredos,
Claras e frescas águas de cristal,
Que em vós os debuxais ao natural,
Discorrendo da altura dos rochedos;

Silvestres montes, ásperos penedos,
Compostos em concerto desigual:
Sabei que, sem licença de meu mal,
Já não podeis fazer meus olhos ledos.

E, pois me já não vedes como vistes,
Não me alegrem verduras deleitosas,
Nem águas que correndo alegres vêm.

Semearei em vós lembranças tristes,
Regando-vos com lágrimas saudosas,
E nascerão saudades de meu bem.


Soneto 48

Oh! Como se me alonga, de ano em ano
A peregrinação cansada minha!
Como se encura, e como ao fim caminha
Este meu breve e vão discurso humano!

Vai-se gastando a idade e cresce o dano;
Perde-se-me um remédio, que antes tinha;
Se por experiência se adivinha,
Qualquer grande esperança é grande engano.

Corro após este bem que não se alcança;
No meio do caminho me falece;
Mil vezes caio e perco a confiança.

Quando ele foge, eu tardo; e, na tardança,
Se os olhos ergo, a ver se ainda parece,
Da vista se me perde e da esperança.


Soneto 57

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce encanto.

E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soia.


Soneto 67

Pois meus olhos não cansam de chorar
Tristezas, que não cansam de cansar-me;
Pois não abranda o fogo em que abrasar-me
Pôde quem eu jamais pude abrandar;

Não canse o cego Amor de me guiar
A parte donde não saiba tornar-me;
Nem deixe o mundo todo de escutar-me,
Enquanto me a voz fraca não deixar.

E se nos montes, rios, ou em vales,
Piedade mora, ou dentro mora Amor
Em feras, aves, plantas, pedras, águas,

Ouçam a longa história de meus males,
E curem sua dor com minha dor,
Que grandes mágoas podem curar mágoas.


Soneto 75

Ditoso seja aquele que somente
Se queixa de amorosas esquivanças;
Pois por elas não perde as esperanças
De poder n’algum tempo ser contente.

Ditoso seja quem, estando ausente,
Não sente mais que as penas das lembranças;
Porque, inda que se tema de mudanças,
Menos se teme a dor quando se sente.

Ditoso seja, enfim, qualquer estado,
Onde enganos, desprezos e isenção
Trazem o coração atormentado.

Mas triste quem se sente magoado
De erros em que não pode haver perdão,
Sem ficar n’alma a mágoa do pecado.




Soneto 81

Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente,
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?


Soneto 85

Foi já num tempo doce cousa amar,
Enquanto m’enganava a esperança;
O coração, com esta confiança,
Todo se desfazia em desejar.

Ó vão, caduco e débil esperar!
Como se desengana uma mudança!
Que, quanto é mor a bem-aventurança,
Tanto menos se crê que há de durar!

Quem já se viu contente e prosperado,
Vendo-se em breve tempo em pena tanta,
Razão tem de viver bem magoado;

Porém, quem tem o mundo exprimentado,
Não o magoa a pena nem o espanta,
Que mal se estranhará o costumado.


Soneto 91

Vós que, d’olhos suaves e serenos,
Com justa causa a vida cativais,
E que os outros cuidados condenais
Por indevidos, baixos e pequenos;

Se ainda do Amor domésticos venenos
Nunca provastes, quero que saibais
Que é tanto mais o Amor despois que amais,
Quanto são mais as causas de ser menos.

E não cuide ninguém que algum defeito,
Quando na cousa amada s’apresenta,
Possa diminuir o Amor perfeito;

Antes o dobra mais; e, se atormenta,
Pouco e pouco o desculpa o brando peito;
Que Amor com seus contrários se acrescenta.



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Aliorum auctorum

Camões, Luis Vaz de (português)

Espanca, Florbela (português)

Matos, Gregório de (português)

Nietzsche, Friedrich (português)

Pessoa, Fernando (português)





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jeudi 3 février 2011

Plus de parole!

Mes amis, je les ai perdus.
Mes folies, je les ai pendues.
L'invitée de ma fête,
c'est la plus feroce bête

que l'on appelle l'Ennui.
J'ai vécu et je vis
avec ce qui me reste
que j'aime qui me déteste.

Ce sont des souvenirs
qui, comme une âme prête
à soudainement mourir,

me racontent leurs enquêtes
en me faisant connaître
ce que je ne peux plus dire.




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