mardi 22 février 2011

1902-1912

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Treno

Se morreres, ficará
O sol: nada mudará.
Menos um existirá.
Quem amaste esquecerá.
Quem te odiou não lembrará.
Tua mãe te chorará,
Mas o pranto acabará.
Teu pai te lamentará,
E o lamento parará.
Teu irmão refletirá
Que como tu morrerá.
Tua irmã suspirará,
E a dor no suspiro irá.
Tua viúva casará
Ou amante tomará.
Teu filho soluçará
Até que adormecerá.
Por povo que lidará,
Ruas onde o sol dará,
Teu caixão te levará,
E alguém te enterrará,
Terra em cima deitará.
Teu corpo descansará.
Se sossego ele terá
O Mistério to dirá.


Mar. Manhã.
Suavemente grande avança
Cheia de sol a onda do mar;
Pausadamente se balança,
E desce como a descansar.

Tão lenta e longa que parece
Duma criança de Titã
O glauco seio que adormece,
Arfando à brisa da manhã.

Parece ser um ente apenas
Este correr da onda do mar,
Como uma cobra que em serenas
Dobras se alongue o colear.

Unido e vasto e interminável
No são sossego azul do sol,
Arfa com um mover-se estável
O oceano ébrio de arrebol.

E a minha sensação é nula,
Quer de prazer, quer de pesar...
Ébria de alheia a mim ondula
Na onda lúcida do mar.


ÀS VEZES EM sonho triste
Aos meus desejos existe
Longinquamente um país
Onde ser feliz consiste
Apenas em ser feliz.

Vive-se como se nasce
Sem o querer nem saber
Nessa ilusão de viver
O tempo morre e renasce
Sem que o sintamos correr.

O sentir e o desejar
São banidos dessa terra
O amor não é amar
Nesse país por onde erra
Meu longínquo divagar.

Nem se sonha nem se vive
É uma infância sem fim.
Parece que se revive
Tão suave é viver assim
Nesse impossível jardim.


Estado de alma
Inutilmente vivida
Acumula-se-me a vida
Em anos, meses e dias;
Inutilmente vivida,
Sem dores nem alegrias,
Mas só em monotonias
De mágoa incompreendida...

Mágoa sem fogo de vida
Que a faça viva e sentida;
Mas a mágoa de mãos frias
E inaptas para arte ou lida,
Nem p’ra gestos de agonias
Ou mostras de alma vencida.

Nada; inerte e dolorida;
A minha dor se extasia
Por não ser, e tem só vida
Para em torno a noite fria
Sentir vaga e indefinida...


Noite
Ó Noite maternal e relembrada
Dos princípios obscuros do viver;
Ó Noite fiel à escuridão sagrada
Donde o mundo é o crime de nascer;

Ó Noite suave à alma fatigada
De querer na descrença poder crer;
Cerca-me e envolve-me... Eu não sou nada
Senão alguém que quer a ti volver...

Ó Noite antiga e misericordiosa,
Que seja toda em ti a indefinida
Existência que a alma me não goza!

Sê meu último ser! Dá-me por sorte
Qualquer cousa mais minha do que a vida,
Qualquer cousa mais tua do que a morte.


Tédio
Não vivo, mal vegeto, duro apenas,
Vazio dos sentidos porque existo;
Não tenho infelizmente sequer penas,
E o meu mal é ter (alheio Cristo)
Nestas horas doridas e serenas
Completamente consciência disto.


BÓIA À TONA DA ÁGUA MORTA da minha recordação
No silêncio do meu coração
O cadáver do meu passado.
E eleva-se de além sobre o ar escuro
O espectro do meu futuro,
Mas para mim tanto passado como futuro
Tanto futuro como passado
São qualquer cousa de igualmente acabado.


SINTO ÀS VEZES EM MIM nas horas calmas
Em combate de ânsias desiguais
Intercruzadas vidas ancestrais
A múltipla unidade de ermas almas.


O MUNDO, ó alma cansada,
É uma porta aberta, por onde
Se vê, logo defronte,
Uma outra porta, fechada.


A alguém que já namora
Eu sei de uns olhos castanhos,
(Por sinal que nunca choram);
E esses olhos lindos, tenho-os
Por olhos que já namoram...

Já! já! já! Que atrevimento!
Ainda não são de mulher,
E já mostram sentimento
Já são p’ra mais do que ver...

Já mostram um coração
Nos seus brilhos mal escondidos;
E nem nos pedem perdão
De serem tão atrevidos...

Os bebés, por este andar,
Dentro em pouco quando for
Altura de já falar
Principiarão por gritar,
Não Mamãe, mas sim Amor.


TÃO ABSTRATA É A IDEIA do teu ser
Que me vem de te olhar, que, ao entreter
Os meus olhos nos teus, perco-os de vista,
E nada fica ao meu olhar, e dista
Teu corpo do meu ver tão longemente,
E a idéia do teu ser fica tão rente
Ao meu pensar olhar-te; e ao saber-me
Sabendo que tu és, que, só por ter-me
Consciente de ti, nem a mim sinto.
E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto
À ilusão da sensação, e sonho,
Não te vendo, nem vendo, nem sabendo
Que te vejo, ou sequer que sou, risonho
Do interior crepúsculo tristonho
Em que me sonho o que me sinto sendo.


UM CANSAÇO FEBRIL, uma tristeza informe
O meu espírito intranquilamente dorme.
Combati, fui o gládio e o braço e a intenção
E dói-me a alma na alma e no gládio e na mão...
Meu gládio está caído aos meus pés... Um torpor
Impregna de cansaço a minha própria dor...


A outra visão
Eu sonho. Morre-me no olhar parado
A alma; a outro olhar interior aflora
E vê de dentro as Cousa e a Hora...
Visto do Outro Lado,
Cada Ocaso é uma Aurora...

Sonho. E a visão com que me invado
De uma nua certeza triste e calma
É um oásis em mim, com água e palma
Visto do Outro Lado,
Cada Corpo é uma Alma...

Sonho mais. Perco a vida do estagnado
Na visão com terço em mim aos céus
E faço a realidade sonhos meus...
Visto do Outro Lado,
O Todo é Nada e o Nada é Deus.


O RELÓGIO sonolento
Lento no fundo do olvido,
É um velho sentimento
Que trago ainda no ouvido.

Na velha casa que é hoje
O passado intensamente,
Seu som dura, seu som foge,
E só quem fui é que o sente.


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