mercredi 22 juin 2011

1916

Voilà mais uma seleção de versos do poeta Fernando Pessoa. Estes são de 1916...



NOS BANCOS dos jardins
De outrora, nos passeios
Por alamedas, nos enfins
Levianos de vãos enleios...
Que leve arfar de suspeitados seios
Um gesto fazendo soar cetins...



NÃO SEI, AMA, onde era;
Nunca o saberei...
Sei que era primavera
E o jardim do rei...
(Filha, quem o soubera!)

Que azul tão azul tinha
Ali o azul do céu!
Se eu não era a rainha,
Porque era todo meu?
(Filha, quem o adivinha?)

E o jardim tinha flores
De que não me sei lembrar...
Flores de tantas cores...
Penso e fico a chorar...
(Filha, os sonhos são dores...)

Qualquer dia viria
Qualquer cousa a fazer
De aquela alegria
Mais alegria nascer
(Filha, o resto é morrer...)

Conta-me contos, ama...
Todos os contos são
Esse dia, e jardim e a dama
Que eu fui nessa solidão...
(Filha, sonhar é vão...)



FECHO OS OLHOS, medito
E, se invoco, revivo
Um momento - meu ser é infinito
No inteiro eu entre mim e o que fui
Depois estagno, e o meu ser morto e esquivo
Rio fundo por mim flui.


TANGE A TUA FLAUTA, pastor. Esta tarde
Pertence à dor, à tua dor que em mim arde.

Tange por isso pastor, a tua flauta a tremer.
Tange, tange, para que eu me não sinta sofrer.

Leve, um vento antigo passa entre ti e mim.
Leve, o vento regressa, e a música está no fim.

Mas nunca haverá fim ou música em meu tormento.
Tange outra vez a flauta, pastor. Deixa o vento

Estar entre ti e mim outra vez, como a sombra triste
Que está na tua alma, e na minha alma, e não existe.



NADA NOS FAÇA DOR,
Nada nos canse de olhar,
Vivamos no torpor
De observar e ignorar.

Com o vago pensamento
De ir vindo na corrente...
Vivamos o momento
Irresponsavelmente.



SERÁ PARA ALÉM do mar...
Desoladoramente...
Não haverá chorar...
Nada entre
Nós e amar.

Tudo como o sonho –
A sombra, o lago...
Sobre o ar em que ponho
O meu afago.

Ninguém... Nem eu
Talvez ali...
Não sei como vi...
Choro... Morreu
Quem ma deu...

E este meu percalço
Meu ser descalço
Não é verdade
Nem é falso

Nem sonhado, ou real...
Intermédio...
O vago igual
À beira do tédio
E da vida ser um mal.



ALGA
Passa na noite calma
O silêncio da brisa...
Acontece-me á alma
Qualquer cousa imprecisa...

Uma porta entreaberta...
Um sorriso em descrença...
A ânsia que não acerta
Com aquilo em que pensa.

Sombra, dúvida, elevo-a
Até quem me suponho,
E a sua voz de névoa
Roça pelo meu sonho...


HÁ UMA VAGA mágoa
No meu coração.
Como que um som de água
Suma solidão...
Um som tênue de água...

Memoro o que, morto,
Ainda vive em mim
Memoro-o, absorto
Num sonho sem fim,
Estéril e absorto.

Será que me basta
Esta vida em vão?
Que nada se afasta
Da sua solidão...
Nem de mim me afasta?

Não sei. Sofro o acaso
Da mágoa em meu ser...
Cismo, e há em mim o ocaso
Do que quis viver –
Sempre só o ocaso.



BÓIAM NO ‘SPAÇO
Sempre sem rastros,
Mesmo ideais,
Pálidos astros,
Sóis espectrais.

Sombras dos pontos
Certos e incertos
Onde luz são,
‘Spaços desertos
Da luz que dão.

Meu pensamento
Longe os divisa
Conhece-os sem
Visão precisa...
Olhos do Além.

Meu pensamento
Sem qu’rer os usa
Para os temer...
Astros na abstrusa
Sombra a tremer...

Horas do ‘spaço,
Harpas do acaso
No sonho meu...
Brilham no raso,
Marmóreo céu

Qual é o sentido
Que lhes pertence,
No magno mar
De sonho ausente
Ao lhes mirar?



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