DEUS SABE melhor do que eu
Quem eu sou
Por isso a sorte que me deu
É aquela em que melhor estou.
Deus sabe quem eu sou e alinha
Minhas acções
Duma forma que não é a minha,
Mas que tem íntimas razões.
EU SÓ TENHO o que não quero
E a vida é pouco p’ra mim...
Não sei por que coisa espero
Nem se a quererei enfim...
Conto as horas como moedas
Que nunca penso em gastar...
E como quem rasga sedas
Não uso o que quero usar.
Quem me dera poder ter
Alguma cousa na vida
Que chorar ou que querer...
Ó pobre à porta da ermida...
NÃO ME PERGUNTES por que estou triste...
Fico mais triste por não poder
Dizer-te porque esta dor existe.
E nunca cessa de me vencer.
Ah, ausente lugar da minha mágoa,
Numa ilha cheia de sol e flores
Deve haver ritmos de brisas e água
Batendo às almas por paz e amores.
Deve haver dias ali felizes,
Horas que passam sem se falar...
Ó Morte, dize-me em que países
Guardas a vida de além do Mar?...
Dize baixinho, no meu ouvido,
A que distância deste meu ser
Puseste aquilo que eu hei perdido
Antes de a vida me conhecer...
E depois leva-me até essa ilha,
Leva-me longe, perdido em ir...
Ah, o rasto da água que ao luar brilha!
Ah, a viagem para Existir...!
DO ALTO DA CIDADE
Olho e em baixo, profusa,
A multiplicidade
Tão nítida e confusa
Das casas da cidade...
O céu é todo azul
E a cidade é vazia
Há um calor que me esfria
No seu gesto de sul
Sob o céu todo azul...
Sim, dessa mole mista
De casas, tectos, espaços
Sai um hálito a cansaços
Que sem qu’rer me contrista
Numa oca angústia mista...
Porque é que me entristece
Ver ao sol a cidade
Que parece se invade
De vida e ao sol se aquece
Até que se entristece?
Nunca sei porque sinto...
Mas uma angústia enorme
Rompe em mim um recinto...
Acorda o que em mim dorme
E é a dor que sempre sinto...
A mágoa inconsolada
De não ter não sei quê...
O que é que a cidade é
Que sem ser p’ra mim nada
Faz-me a alma inconsolada?
O que há neste alvo vulto
Que me lembra a tristeza?
É uma vaga beleza
Que busca em mim um culto
Para a alma do seu vulto?
Não sei... Ah, triste, triste...
Tão triste ao vê-la assim
Alegre... Ruas, jardim...
As casas... Isto existe...
Com que angústia estou triste!
TROUXERAM-NA MORTA,
Tirada da água...
Trouxeram-na morta...
Tocaram os sinos
Por toda la magoa
De anciões e meninos...
Trouxeram-na quatro
Seus olhos sem par
Não tinham fulgor
Trouxeram-na quatro...
Seu noivo, o alvar,
Seu irmão maior
E um que a viu achar.
No rio a encontraram,
No rio a entreviram...
No rio a encontraram
De brancuras corando...
Seu nome era brando...
Do rio a tiraram...
Sua boca era muda...
Algas seus cabelos
Sua boca era muda...
Seus olhos – só vê-los
Sonhava revê-los
Na antiga postura
Em que eram tão belos...
No rio a encontraram
À tarde, à ventura...
A quatro a trouxeram
P’ra casa dos pais...
A quatro a trouxeram
Chorando, chorando
P’ra casa dos pais...
Seu nome era brando
Como a dor sem ais...
Trouxeram-na morta...
Tão branca, sem par
Sua face absorta,
Só em se deixar
Ficar assim morta...
Que importa? Que importa?
Deus há-de explicar.
EM DIAS LEVES, sonolentos,
Por violentos e esbatidos
(Carícias as antigas) ventos
Contra portões adormecidos,
Perdidos gritos, sim, gemidos
Dos meros ecos friorentos.
E em congruência com a esfinge
Que de cansaço e de demora,
Sombra de abraço agora, tinge
A cor de dor fora da Hora,
Ergue olhos d’ódios, pára e chora
E o seu pranto meu espanto atinge.
Nexos sangrentos por opalas
Que um tédio-névoa em nós seduz
No eco vão das tuas falas
E tudo se reduz a luz.
Puseram teu nome na cruz
Pelo incenso que nele exalas.
O MEU TÉDIO não dorme,
Cansado existe em mim
Como uma dor informe
Que não tem causa ou fim...
QUE VINDA SOMBRA
meu coração
Resfria e ensombra?
Que vago mal
Torna minha alma
À sombra igual?
Não sei. Que há entre
Mim e a tristeza?
Não sei, mas sempre
Meu pensamento
Adoece, sempre
Só a mim atento.
Ó brisa vaga,
Passa por mim,
Vem e embriaga
De esp’rança ao menos
Meus doloridos
Dias serenos.
COM TUAS MÃOS piedosas
Faz gestos a sonhar,
Como quem colhe rosas
E acha divino olhar,
Com tuas mãos piedosas
Faze-me repousar...
Sim, os teus gestos lentos,
Teus gestos suaves são
Guias que os pensamentos
Me guiam p’ra a ilusão
Sim, os teus gestos lentos,
Acabando em perdão...
Com tão Madona arte
De exisitires no gesto
Juntas ao meu ser parte
Do que perde, que imerso
No teu gesto e na Madona arte
Me desencontro e cesso.
ACORDA. Vem
Até ao mar
As ondas têm
Um vago amar.
Há um calmo fim
Ao pensamento
No mar, assim
Cessado o vento.
A hora salga
De calma a dor...
Uma e outra alga
Doem-lhe à flor...
Vem tão comigo
Por tal caminho
Que eu contigo
Me creia sozinho...
Tanto pertenças
Ao meu pensar
Que as duas presenças –
Tu e do mar –
Não sejam mais
Que a calma triste
Sem nexo ou ais
Que em mim existe...
Ah, desejar!
Amar, sofrer!
Eu, tu e o mar...
Como dói ser!
Vem ajudar
Meu pensamento
A dispersar
P’lo mar sem vento.
A REVOLUÇÃO
Ruge a alegria da revolta
Nas nossas ruas concorridas...
De quando em quando o canhão solta
As ocas vozes desmedidas...
O crebro e acre estralejar
Da nítida fuzilaria
Ocupa as curvas do ar
Com a sua certeza fria...
Cai a noite, mas continua
Na incerta inclinação da hora
A voz dos tiros, cousa nua
No ouvido que conhece e ignora.
Uma febre ligeira toma
Os nervos deslocadamente...
Cada minuto ao longe assoma
Em solidão à alma ausente...
Que querem todos? Nada... Um palmo
De ilusão mais sobre nuvens belas...
E cobre tudo, alheio e calmo
O céu, tão plácido de estrelas.
PESCADOR DO MAR ALTO,
Deus te dê boa pesca!
Tu estás com tua tarefa
E eu a tudo falto...
Pescador
O que és tu para seres mais feliz do que eu?
Tens a alma guardada
No cofre da inconsciência...
E a lúcida inocência
Que vem de não ser nada...
Teu caminho na vida
É claro e a estrada que tu segues definida.
Vais só até a morte...
Corres os riscos teus
Menos fiado em Deus
Do que na tua sorte...
Esta é a verdade. O resto
Não importa... Eu porque é que te não detesto?
Meu Deus! Ter-te por alma!
Não ser inteiramente
Mais que eu realmente.
Que benévola calma
Para com o meu ser...
Assim... Olho-te e não sei o que hei-de dizer...
Teu barco alça a vela...
Segues pelo mar fora...
Deus te dê boa hora
E uma amiga estrela!
Sabe sempre ficar
Ignorante, audaz, livre, alegre e ligeiro como o mar
Olha. Eu tenho a alma alta
E o pensamento atento...
Sofro do pensamento
E a alma em falta
Por isto invejo o teu
Sono da vida activa sob o infinito céu.
Ah, como o mar te mete
O ar claro nos pulmões,
Às minhas ilusões,
Ó amigo, promete
Não seres mais do que és
E eu poderia, cantando-te, sentir-me-te uma vez.
ESCREVO, e sei que a minha obra é má.
Não farei aquilo que hoje quero.
Se penso nisto, desespero
E não sei para onde vá
O tédio que comigo está.
Ave, passa, passa...
Tudo me ultrapassa...
O BARCO ABANDONADO
O esforço é doloroso...
Deixemo-nos ir
Pelo mundo ocioso
Como que a sorrir...
Numa incerta mágoa,
Num sem querer mudo,
Sejamos como a água
Que reflecte tudo...
De que serve a vida?
Para quê a dor?
O bom sol convida
A um feliz torpor...
Vamos indo, indo,
Sem se definir
Ao nosso mar infindo
P’ra onde queremos ir...
Lá iremos ter...
Lá – parte nenhuma
Vida que viver...
Sussurro de espuma...
Mágoa incerta e vasta,
Céu azul e claro...
Como a dor contrasta
Com o ócio em que paro...
Que quero eu dizer
Com a minha vida?
Saiba eu não o saber...
Leve a alma dormida.
Estrela em sossego,
Feneça no afago
Duma brisa ao cego
Silêncio dum lago.
P’ra além do momento
Há todo o céu fundo,
E o movimento
Do abstracto mundo.
Que importa? Nas águas
Quando se reflecte
O verdor das fráguas
Nada se promete...
Tudo é como é
Sem que seja nada...
Quem me dera a fé
E o sol sobre a estrada!
O rio não tem ponte.
A alma não tem cor...
O sol, que desponte
Mas nunca o amor...
Grácil, fugidia
Demora da vida
Na tristeza fria
Que a faz comovida...
O sonho em botão,
A dor em acerto
Com a conclusão
Do mistério incerto.
Palavras perdidas...
A casa da alma
Quem me dera a calma
E as horas idas!
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