Abro meus olhos como se os abrisse pela primeira vez. O frescor da tarde de luz escorreu-me pelo corpo e senti o que sinto sem que possa tê-lo sentido. É uma confusão dos cinco em um e o que sou é tudo aquilo que em mim mesmo estou. Antes, tudo aquilo que em mim mesmo estive e tudo quanto estarei. Narro fatos que se talvez passaram sem que quase se notasse - como o amor entre muitas dríades e um fauno -, mas que hão de deixar uma marca aberta no peito. A primeira vez em que eu a vi não foi talvez primeira, mas foi como se fosse. Seus olhos eram verdes e eram mato como os que nunca vi. Olhei-os como se os olhasse na primeira hora da manhã. Te quero. E quero estes olhos meus. Não sei se cheguei a pensar assim, mas se penso hoje em como o teria pensado, quando a vi daquela vez, tenho certeza de que o penso. E você o foi... Corpo molhado rebolando assim de lado/ Corpo esguio que rebolando espanta o frio/ Corpo, corpo, tanto corpo, gostoso, corpo, corpo.../ Gozo... E não me esqueço do brilho translúcido que tinha sua pele pálida e como suas veias azuis se acendiam prometendo redenções. Seu sangue era vermelho, entanto. Não me esqueço. Mas isto é outra história. Abri meus olhos e tomei o primeiro gole e ela parecia à vontade e não disse nada à princípio e depois falei algo ao que ela retrucou e eu calei pesado. Existem poucas coisas mais densas do que o silêncio quando instala-se no espaço de um olhar, entre dois olhares. Ela sorriu. Disto estou certo, pois o sinto agora como antes o senti e é, agora, tal como se o sentisse pela vez primeira. Seu sorriso era feriado e sinos tocariam nas igrejas se anjos pudessem badalá-los. No seu sorriso, que tinha ainda um rubor inocente de que nos veríamos completamente despidos horas mais tarde, soube um convite ao seu jardim de delícias. Adivinhasse tudo quanto me aguardava, teria lhe dado a mão como lhe dei. Pergunto, mas indecisamente. Não sei se quero responder as perguntas, mas antes formulá-las como afirmações titubeantes. Há mais dignidade em saber-se ignorante do que em aspirar qualquer grandeza. Eis a sublime riqueza da Bíblia - la clef du festin ancien! -, pois no crepúsculo dos pensamentos há de vir a felicidade do homem. E ele acaso a busca? Digo... : - Ele acaso a busca. Ele tateia as paredes da vida, mas não parece se dar conta de ser infeliz. São ignorantes, e os ignorantes são abençoados e a eles está reservada a felicidade dos céus na terra... Mas creio que divago. Soubesse eu o desfecho, então, que a minha vida, agora, tem e faria como o faço outrora. Ou antes, como naquela hora senti que havia de ser feito. Não pensava excessivamente, mas sentia - e não por meio dos pensamentos - tudo quanto vivia. Assim foi que num dia de setembro - ah...! o outono lá é todo tédio e sono, a primavera acá paixão sincera - peguei na sua mão na varanda em que fumamos nossos cigarros e o cigarro cai e a minha mãe pega na sua e sinto como se tremesse (ou eu? você? não sei) e naquele momento teria dito adeus se soubesse que o destino
mas não soube e seguro a sua mão e num mesmo fôlego sentimos no hálito a cerveja (que beb éramos) e um gosto pesado da fumaça que subia e o coração que palpita e que nos diz: "- É ela! É ela!" e como contrariá-lo? ... Naquele momento fechei os olhos como se o fizesse pela vez primeira...oblongópticflâmelasuavavevaevoumômboloiounós... oblongó... Fecho os olhos e oblongópticfâmeloinfamusônalemdômbololounós... O fato é que um momento só condensa em si a existência - há de se-lo-encontrar e sentir a futilidade de uma vida que escoa, sem desníveis, tranquilamente pelo lodaçal do tédio. Cujo passar é longo, cujo sentir é parco. Nós somos antes do tipo que, mãos dadas na varanda de nós dois, cantamos: "- Oblongó! Oblongó!" e não tememos beber venenos do cálice da ira em que viagens transpersonais são orquestradas no palco de nós todos... Ei você! Você que lê! Você escuta esta canção ao longe? muitas vozes, muitos sons e são noites que ardem fins de tarde - mantras que ensinam segredos da efemeridade eterna KAMA! KAMA! Come on me! KAMA KAMA calme, oh-oui! KAMA KAMA cama em mi! KARMA CHIAMA call m'ao fi! e as vozes alçam-se aos céus e elevam-se como ondas de um mar tempestuoso - suas almas que alcançam alcáceres em voos de além; assim cantam todos os que sente'o mesmo gozo! e quem sou eu em meio a tantos... quem? eu sou aquele que te segurou a mão enquanto te beijava os pés - eu sou não mais que vassalo vosso, mia senhor, e sofro desta coita que o memória do coito outroro me provoca. eu sou aquele que te ama, pois que te amou e que somente tendo-te amado entende o verdadeiro amor e tende a ainda amá-lo. Tendo ao mar e à partida e a tudo que possa me dizer adeus. Não busco o porto, mas antes o pôr-do
-sol que já mais não me será dado conhecer. Meu vinho é o ideal, o verso, meu pão. Às vezes disperso navego em meio a vagas de um oceano impiedoso. Mas a maior parte do tempo deixo à deriva o pensamento e chega a plagas nunca imaginadas. O que escrevo e anuncio na voz de mil profetas me soa inimportante, mas (seria a pena apenas minha?) sinto ingente urgência no elevar-se das marés. Certamente, o solo ainda não é pronto - frutos gritam, flores protestam. Reivindicam todos juntos aos elementos invisíveis que os governam seu direito de existir. Vingam-se dos reis na realidade e eu canto e cantarei (como antes o jamais cantei) seus atos de luta e suas vitórias, mas, sobretudo, suas derrotas -, pois somente na derrota vê-se a força de quem luta. Eu não divago! Entrementes, ou antes, entretanto, sinto o olhar que repreende daquele que não lê (e que jamais lerá!) qualquer linha destas linhas que então lemos... 'Descansem os remos!, estamos no mar, mais tarde oraremos - para um dia voltar! ... O seu amor busquei por ilhas d'além-mar... e penei e penei e onde o fui encontrar? Nas memórias do mar, nas memórias do mar...' Cedeu-me Deus as trevas para me cobrir; quis também que os breus me desse para mó de me punir - teria o Senhor Nosso vergonha do que fez? Ou furioso aguarda em fogo a sua tez? Basta! hasta quando?!
Basta! É chegado o momento, camaradas, em que muitas vozes hão de ser uma só voz - e que de todos os Eles havemos de fazer um Nós! E os nós serão atados, górdios - para além de Alexandres! Os engôdos? Hão de ser todos desfeitos... Todos! A utopia que um dia sonharam, hoje sonharemos! E somos todos juntos, pois os braços nos damos e as pernas e as línguas e entramoscantando em assembléias de anjos e demônios. Não para sermos julgados, mas julgando. Eu divago, você diz, e eu replico 'EU?', eu não sou este que aqui está, mas quem é, na verdade, sou você que lê - você que lê e que concorda com a calhorda que nós somos... Sim, a calhorda que NÓS somos! Acuse-o de raso, ao autor, e (talvez com embaraço) notar-se-á o acusador na pele do acusado. Eis chegado, mia senhor, o momento em que a terra abrirá suas entranhas para que os pobre-diabos revele' a força do seu fogo. Nós todos já fomos condenados. Cabem-nos os números e os verbos - façamo-nos bom uso! E mesmo que não, pois em meio a tudo quanto movesempre sobra espaço pra paixão, aproveito os instantes que me restam - deste horizonte, enquanto o sol jamais se ponha - para confessar-te como nunca o fiz: "TE AMO! TE AMO! TE AMO! ODEIO AMAR-TE E AMO!" em poucas palavras e as repito infinitas vezes como um mantra a ser cantado pelos meus alvoreceres... "TE AMO! TE AMO! TE AMO! ODEIO AMAR-TE E AMO!" ... "TE AMO! TE AMO! TE AMO! ODEIO AMAR-TE E AMO!". ... Antes que venham as revoluções, adianto-lhes, hão de vir revelações!
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