mercredi 2 novembre 2011

Carta para a amiga (11-10-11)

[...]

O conforto me foi negado por tanto tempo que chego a duvidar de que um dia virei a encontrá-lo. Mas isto talvez faça parte da minha própria natureza: jamais me contentar... Sempre quero o que não tenho. É algo que às vezes me incomoda, mas que também me motiva. Já faz uns dias, durante um final de semana, por exemplo, aproveitando uma festa louquíssima em Ouro Preto, acordo no domingo de manhã e - quase como se não fosse eu quem o fizesse, mas um outro que não sou - escrevo:


"Não posso estar bem aqui,
não posso estar bem ali.
O bem-estar nunca achei
em meio aos bens que busquei.

De tudo quanto vivi
apenas o que perdi
(ou que não tive) prezei:
e tal é do mundo a lei.

Estar bem no que não tenho,
que só posso ter em sonho -
mas que se tenho desdenho.

Estar bem no bem que sonho:
para Onde vou, d'Onde venho...

Onde estou sempre tristonho."


Mas alguns momentos de tranquilidade ainda me são permitidos, não é? As aulas de francês são um alívio constante... Principalmente porque minhas turmas começam a alcançar níveis mais "avançados" - subjuntivos e condicionais da vida. O estudo do alemão vem se mostrando fertilíssimo! Um grande amigo que acaba de voltar da Alemanha e eu estamos "estudando" em transcriações do Rilke para o português. Enfim... A Arte é muito longa para tão curta vida e a gente faz o que pode.

Trabalho ainda com a produção de um livro mito-poético - de temática andaluza do século XIII - um pouco auto-biográfico, mas da vida que não pôde ser minha... E este projeto me consome o resto de tranquilidade. Empenho-me, mas já não sei se estou à altura do sonho...


Bem, no mais é isto, né?

A cada vez que a gente se corresponde é como se uma vida inteira tivesse passado - eu, pelo menos, tenho a impressão de ser outro-outro-outro -, sem que nós (esta palavra bacana que já traz a ideia de NÓ mesmo) tenhamos mudado um nada sequer! E é engraçado o que você disse sobre "ter saudade da imagem que faço de você", pois há uns meses escrevi algo parecido para uma garota que não me via há muito tempo e que dizia sentir muito minha falta:


"Não podes certamente ter de mim saudade -
visto que nunca me tiveste,
posto que em tempo algum tu me terás.

Tens certamente uma saudade do que pensas
dentro em ti que seja eu -
mas desta ideia não me participa a essência
e é menos do meu ser do que do teu
que sentes, qual certeza, esta saudade.

Pois a saudade é impossível de algum outro.
Lembramo-nos saudosos de nós mesmos,
mesmo se em pensamento um outro temos -
um outro outra estrada para os próprios ermos.

Não quero que confundas quando afirmo
o jamais me teres tido
com a vontade de fazê-lo, tendo-o dito.
Creio em ti,
mas é em mim que já não posso crer...
Ainda que o meu ser esteja em ti,
ainda que o meu ser tu clames ser...
Eu firme confirmo que tua saudade
não tem fim,
posto que não pôde ter começo."


Enfim... Não que eu ainda o pense hoje como ontem o pensei.

Mas isto é verso e versa-e-vice! ;)


Beijos saudosos,

Rafa!

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