Tornando-se mais terno. - Se amamos, adoramos, admiramos alguém, e depois vemos que esta pessoa sofre - sempre com espanto, pois só podemos pensar que a nossa felicidade, que dele se origina, vem de um rico manancial de felicidade própria -, então o nosso sentimento de amor, adoração e admiração transforma-se em algo essencial: torna-se mais terno, ou seja: o fosso entre ela e nós parece ligar-se por uma ponte, uma aproximação de igualdade parece ocorrer. Apenas então julgamos possível retribuir, já que antes o imaginávamos acima de nossa gratidão. O fato de poder retribuir nos proporciona uma grande alegria e elevação. Buscamos adivinhar o que suaviza sua dor, e lhe damos isso; se quer palavras de consolo, olhares, atenções, presentes, serviços - lhe damos isso; mas, sobretudo: se nos quer sofrendo com o seu sofrimento, damo-nos por sofredores, mas em tudo isso tendo o prazer da gratidão ativa: que é, em suma, a boa vingança. Se não quer e não aceita absolutamente nada de nós, afastamo-nos frios e tristes, quase doentes: é como se nossa gratidão fosse rejeitada - e, nesse ponto de honra, mesmo o indivíduo mais bondoso é suscetível. - Segue-se, de tudo isso, que mesmo no caso mais favorável existe algo degradante no sofrimento, e exaltador e conferidor de superioridade na compaixão; o que separa eternamente esses dois sentimentos.
Nietzsche, Friedrich Willhelm, 1844-1900. Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais; tradução, notas e posfácio Paulo César de Souza - São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
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